Exclusivo: Presidente da Câmara recebe denúncia, mas perde prazo para consulta ao plenário sobre o seu recebimento. Casa foi obrigada a realizar sessão extraordinária às pressas para analisar admissibilidade da denúncia que teria sido preclusa em razão do lapso temporal decorrido
A Câmara Municipal de Rosário decidiu, no dia 25 de março, abrir um processo de cassação contra o prefeito Calvet Filho (PSC) e sua vice Cláudia Ancelles (PT). Desde então, uma comissão especial processante composta por três parlamentares deu início à realização de oitiva e coleta de depoimentos para elaboração de um parecer. A palavra final da Casa tinha que ser dada em até 90 dias, segundo a Lei Orgânica do Município, o Regimento Interno da Câmara e o Decreto Lei 201/1967.
Foram 8 votos a favor e 4 contra. Pelo regimento, o presidente da Casa só vota em caso de desempate. A abertura do processo requeria a maioria simples de 13 vereadores.
O problema, entretanto, é que o rito pode ser anulado por vício procedimental, após a constatação do editor desta página ao analisar uma coleção enorme de documentos sobre o caso.
Protocolado no dia 19 de março por dois cidadãos rosarienses identificados por Bruno Kelvin Marques Martins e Leonel Oliveira, o pedido tinha como base a alegação de denúncia de infração político-administrativa definida no art. 4º, incisos III, IV, VII e VIII, do Decreto Lei 201/1967.
Ocorre que o mesmo dispositivo em seu art. 5º e inciso II, obriga ao chefe do legislativo a leitura e consulta ao plenário na primeira sessão, após o recebimento da denúncia. No entanto, não foi isso que ocorreu, segundo ficou comprovado, inclusive, em vídeo.
Um levantamento minucioso junto ao calendário de sessões da Câmara revelou que entre o dia 19 [data do protocolo da acusação] ao dia 25 de março [data abertura do processo] o legislativo rosariense realizou sessão ordinária nº 006/2021, no dia 22 daquele mês. Era nessa reunião que a denúncia deveria ter sido recebida, mas não foi isso que ocorreu, conforme veremos mais abaixo.
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO?
Por via de regra, o presidente da Câmara deveria submeter o caso aos pares justamente no encontro, realizado dois dias após a denúncia ter chegado ao parlamento rosariense, porém, além de descumprir o que determina a legislação, o chefe do legislativo foi obrigado a convocar sessão extraordinária às pressas para analisar admissibilidade da denúncia que teria sido preclusa – dois dias antes na sessão anterior – em razão do lapso temporal decorrido.
O processo de afastamento de um prefeito, vice ou vereador, começa com a apresentação de uma denúncia contra eles. No entanto, o procedimento tem uma série de normas que devem se enquadrar no Decreto Lei 201/67 que dispõe sobre a responsabilidade de chefes do executivo e representantes do legislativo. Se alguma regra não for respeitada, o rito (e suas decisões) pode ser anulada por decisão judicial.
PRECLUSÃO APÓS 1ª SESSÃO
Sabemos que o tempo, hoje crucial na vida das pessoas, está presente em todas as fases do processo, seja pelo cumprimento dos prazos estabelecidos na legislação, para os expedientes processuais, seja em relação ao tempo estabelecido para que seja ajuizada uma determinada ação, enfim, à prática forense.
Tanto que no direito processual, preclusão, significa a perda do direito de agir nos autos em face da perda da oportunidade, conferida por certo prazo.
Pelo Decreto Lei 201/1967 que baseou a abertura do processo, a denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas.
No entanto, a norma em seu art. 5º e inciso II, não estabelece prazo para apreciar o recebimento e condiciona essa possibilidade justamente à primeira sessão.
Mas, o que pode acontecer quando a Câmara recebe a denúncia e não aprecia na primeira sessão, justamente dois dias após o protocolo?
Com relação às consequências processuais, o prazo não observado pelo legislativo, poderá até ensejar a perda da faculdade de praticar o ato, incidindo o ônus respectivo (preclusão temporal).
CIRCO COM CARA DE GOLPE
Além de infringir o que determina dispositivos do Decreto Lei 201/67, a comissão processante perde valor por uma série de fatos que não resistem a uma simples apreciação judicial.
Como se não bastasse ignorar princípios que norteiam a administração pública como legalidade, por exemplo, não faz nenhum sentido cassar prefeito e vice com provas baseadas em conversas de redes sociais e prints de WhatsApp.
O mais cômico ainda é aceitar depoimento do marido que relatou uma denúncia que tem como um dos alvos a própria esposa e cujos supostos atos foram praticados justamente no período em que esteve atuando como secretário.
Outro absurdo foi a realização de oitiva onde ficou constatado o interesse nos depoimentos de informantes e testemunhas entre elas, ex-candidatos a vereador de partidos que apoiaram o prefeituravel derrotado Jonas Magno, adversário político dos denunciados; e ex-funcionários da prefeitura rosariense na gestão da prefeita Irlahi Linhares, tia do candidato majoritário e que também é adversária política do sucessor que figura como denunciado.
A acusação sequer deveria se aceita, pois soa como um circo onde o ‘picadeiro’ é a Câmara e os ‘palhaços’ são aqueles que deveriam representar os interesses do povo rosariense, mas estariam agindo como ‘agentes do mal’ visando um suposto golpe que tem como maior interessado justamente um dos integrantes da linha sucessória do prefeito e vice. Esse, entretanto, será um assunto para a próxima matéria.
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