domingo, 8 de março de 2020

Mulheres são destaques no comando dos grupos de Bumba-Boi em São Luís




_Além de chefes de família, elas comandam a cena cultural na capital maranhense_  

Arrumar casa, cuidar dos filhos, gerenciar uma família, além de se dedicar ao emprego são funções que perpassam diariamente a vida de uma mulher. Desafios que encontram na labuta diária. Mas, e quando elas ultrapassam barreiras, e se tornam chefes de grupos de tradição juninos, um espaço antes ocupado quase que unânimente por homens, sejam eles, os pais, irmãos ou mesmo maridos?

Em São Luís do Maranhão, a realidade passa a se tornar diferente, ao contrário de épocas onde nem as mulheres poderiam dançar, nem tocar nos Bumba-Boi da cidade, hoje elas possuem o pleno direito e vontades de exercerem o papel de comando das manifestações culturais, fator que somente o período de São João proporciona, na valorização de mulheres atuantes nas manifestações culturais e que ajudam a consolidar a diversidade de ritmos do Maranhão.

Por isso, os trinta dias de junho é um mês sagrado. Os mais de 500 grupos de tradição cultural animam a temporada com seus ritmos e sotaques. Uma festa que começa a ser montada muito antes do início do ano, e perpassa gerações que encontraram na manifestação cultural, um legado, e a concretização de um sonho de criança virar realidade. 

Um pré-aquecimento começa desde o redesenho do brilho das indumentárias, o processo de confecção, montagem; além dos ensaios itinerantes que acontecem pelos bairros da capital e do interior. Um processo que demanda tempo, investimento e paciência de todos os brincantes e colaboradores, mas todo o amadurecimento e crescimento de visibilidade de um grupo de Bumba-Boi são processados desde o nascimento dessas brincadeiras.
De um encanto de criança, nasceu no berço do bairro do São Cristóvão, um grupo de sotaque de orquestra, em 1º de maio de 1995, na rua da Pedreira, nº 90, pela então menina alcunhada por “Cileninha”, mas que na verdade tem o nome de origem, Leocilene Silva dos Santos, que tinha como maior sonho brincar num bumba-meu-boi de orquestra bem animado, formado com jovens e adolescentes, que tivesse indumentárias bonitas, coreografias diferentes e adequadas às músicas, que agradasse ao público e botasse todo mundo para dançar com toadas animadas e poesia fácil do povo aprender.

Tudo começou quando passou a reunir na porta de casa, as crianças entre 08 e 12 anos, e outras ruas de localidades vizinhas, formando um grupo com 10 vaqueiros, 10 vaqueiras e 08 índias, todos mirins e que começaram a ensaiar, passando a confeccionar suas próprias fantasias a partir de retalhos de tecidos e chapéus velhos, tendo apoio de seus pais que o ajudaram. Foi então que o Boi de Sonho se tornou realidade e hoje é um dos grupos mais esperado nas noites do São João do Maranhão com diversas apresentações durantes os meses juninos. 

Cileninha é uma das mulheres de destaque que comanda um grupo que majoritariamente é envolto por homens que gerenciam os grupos culturais na cidade. Para ela, um dos desafios em exercer o papel feminino em uma brincadeira é a abertura para negociações das apresentações itinerantes, e a confiança na credibilidade de um Boi dirigido por uma mulher. 

‘’Nunca sofri preconceito por ser mulher comandando uma brincadeira, mas eu sei que observando o olhar de muitos homens e mulheres mais antigos, sinto a sensação de que meu lugar deveria ser outro, ou mesmo dançando no grupo, pela ideia de mostrar o corpo, ou maquiando as meninas. Mas, eu sei que meu desafio é muito maior que isso, e os olhos da sociedade estão se abrindo para essa realidade, comandamos uma casa, e chefiar um grupo não é diferente, vejo todos os brincantes como meus filhos’’, disse a diretora do grupo Boi de Sonhos, que neste ano completa 25 anos de fundação.

Outro grupo que marca a história do boi de sotaque, e que tem mais 60 anos de existência é o Boi de Axixá que expressa através da dança, um dos grupos mais tradicionais do estado, a atração leva o título do Boi percussor de sotaque de Orquestra no Maranhão. Fundado em 1º de janeiro de 1959, por Francisco Naiva que criou o grupo muito mais por amor à brincadeira e à cultura popular. 
Naquela época os grupos eram compostos por personagens soldados, caboclos de flecha, índios e campeadores, as mulheres naquele tempo eram proibidas de brincar. Depois da saída dos índios e soldados, elas foram inseridas, também como índias, sendo assim até os tempos atuais.

Um fato que a atual presidenta, Leila Naiva, filha do fundador e herdeira do grupo conhece de perto. 

‘’Fui criada dentro do Bumba meu boi, e me tornei protagonista dançando e ajudando meu pai na luta de colocar o grupo em cena. Quando da morte do meu pai, restou apenas eu para tomar de conta da direção, não recuei, e como estava mergulhada no universo do Bumba meu boi, e já amava o que fazia, assumir a missão, mas é um embate diário para promover e salvaguardar a cultura e abrir novos caminhos para o fortalecimento do bumba-boi do nosso estado’’, pontuou a coordenadora do grupo Axixá.

A brincadeira é formada por 120 brincantes, entre índias, vaqueiros campeadores, vaqueiros de fita e orquestra. Segundo a diretora do grupo, muitas surpresas virão em comemoração aos 60 anos da brincadeira. “Neste ano, completamos 60 anos de muita história. Um legado deixado pelo meu pai Francisco Naiva e hoje sendo conduzido por mim, com muito amor e carinho”, disse.

Como é considerado um dos principais representantes da cultura popular, o Bumba-meu-boi de Axixá não se apresenta somente para contratantes com poder aquisitivo alto; apresentam-se sem cobrar em diversos arraiais, igrejas e comunidades carentes, a fim de promover o acesso e contato de pessoas menos favorecidas à cultura popular, visto que seus brincantes, desde sua fundação, também são pessoas simples que amam o Boi de Axixá.

CATIRINA, O DESEJO DE UMA MULHER! 

No Maranhão, engana-se quem diz que o protagonista das festas juninas, é o boi. Na verdade, se não fosse o desejo da mulher Catirina o enredo seria contado de forma diferente.   
A tradição histórica que data do século 18, conta a história da escrava que leva seu homem, o nego Chico, a matar o boi mais belo da fazenda para satisfazer-lhe o desejo de grávida, de comer a língua do boi. Revelado o malfeito, o Amo (que encarna o fazendeiro, o latifundiário, o “coronel” autoridade) manda os índios capturarem o criminoso, o qual, trazido à sua presença, representa a cena mais cômica da comédia, e que também apresenta uma crítica social pertinente. Uma festa que agrega música, poesia, encenação e protagoniza o gingado do Bumba Boi como o rei da grande festa.

É nesse cenário lúdico que os grupos maranhenses animam o período junino, atualmente contabiliza-se mais de 100 manifestações culturais de Bumba Boi- inspiração cultural que é tombada como patrimônio imaterial brasileiro- e musicalmente são especializados em cinco sotaques diferentes como: zabumba, orquestra, pandeirão, matraca, costa de mão e baixada), além de destacar as vestimentas específicas para cada tipo de ritmo e sonoridade.

Texto: Davi Max e Tamara Santos
Fotos: Divulgação 

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